14.9.13

Tu, vida…



Soube que o dia tem sempre um começo novo na noite que passa. Como quando te deixo e parto, olhando para ti, e me largo na aventura certa que não sei nem me importa como vai acabar.
Discordo da discórdia entre o que dizes e o que tu mesma representas, no teu dizer dos olhos, da tua boca, de ti toda vestida e sempre nua.
Avassalador, é sempre o momento todo das vidas com mil estórias contigo, de onde nunca soube estar. Apenas porque te olho e entendo esta adição, este vício de ti, ébrio da contemplação fútil, novelesca. És bela e basta-me. Como sempre, sublime, estás, apenas estás, sentada como se nada houvesse que te pudesse perturbar, como se o calor da minha mão, ou a agudez dos meus olhos não existissem, quando suborno a aragem ligeira para que libere a tua saia e transponha o teu joelho, e no simples prazer do deleite tudo baste.
No mundo, todos os poderes têm a circunstância de apenas serem poderes. Absolutos; fechados; efémeros. Todos morrem e se circunscrevem. Mesmo a terra, é um pequeno e simples átomo de um universo incomensurável, onde nem os mais entendidos em métricas são capazes.
Assim tu me possuis, nesse anteparo dos sentidos, nessa jaula onde entro, onde a água e a ração que me depositas todos os dias, são razão de vida e subsistência.
Percebo-te por detrás do meu ombro, o teu respirar quente, o teu cheiro perseguindo os movimentos, como um gato caçando moscas. Um dia sou o teu sacerdote, o imolador dos teus rituais, pedindo a tua graça e protecção, outras o teu escravo que imolas e te serve sem um amanhã que respire liberdade.
Por fim, as correntes caem, por fim sou eu olhando-te de longe, sou eu sem casaco e tu um ser frágil e belo, sempre belo, de que me largo, somos corpos nus e voláteis dizendo coisas sem sentido, e o teu cabelo apanhado, liso, a porta por onde saio livre e sem mais que o desejo de perder as memórias nas ruas onde não passarei jamais.
Um dia, um dia que ainda não existe nem adivinho, escreverei o poema mais cru, selvagem e profundo que existe, falando de mim e deste desejo que ancorado neste porto de onde sairei, te possa levar no meu barco, e no meio de um mar sem volta poder dizer-te de cor, olhando-te nos olhos o quanto hoje apenas és um breve pássaro no horizonte das coisas que existem.



1 comentário:

Lília Tavares disse...

Jorge, sempre gostei das tuas palavras, pois sinto que nascem de um lugar próximo das minhas.
Bela, triste, quase de verdades inatingíveis, esta crónica poética de hoje...
Abraços. Que as coisas voláteis um dia o deixem de ser. Que os seres frágeis tenham um dia um conforto.

Lília