Andamos pelo mundo como cirandássemos perdidos pelos campos
de batalha. Nem lutámos. Apenas estamos, perdidos, de visão turva sobre o
campo, outrora verde, hoje rubro. Os corpos são o rescaldo, frios, nem importa,
porque nada importa.
Os corpos não têm alma, decepados, enterrados na terra e no
sangue, outros de faces lívidas parecendo sonhar. Eu caminho, como um autómato,
busco apenas o que quero, busco e nada encontro, e cada rosto, desconhecido,
faz-me feliz por não ser quem quero.
Os corpos perpetuam o silêncio das cidades cheias, onde nada
conheço, onde nada sou. Os estandartes caídos não erguem exércitos. Paro,
reclamo de mim mesmo, sou aquilo que tenho nas mãos vazias, cheirando a terra,
enxutas do sangue.
O mundo é um reportório de gentes zangadas, é um desenho a
solo de cada par de olhos, uma história antiga de quem cresce e se mantém
antigo, na luta pela sobrevida a uma morte anunciada. Somos a geração urbana,
dos civis civilizados, dos que se mantêm calados e não incomodam, dos que dizem
bom dia e não cheiram a cheiros, dos que se desculpam ao tocar-se. Cada um é a
propriedade, e cada propriedade é mais sua que a bondade e a solidária certeza
de amar.
Hoje quis ser outro e soube que a escolha é minha, e que o
campo de batalha será sempre mais que um campo de mortos e de silêncios. Haverá
sempre o milagre de um gemido, haverá sempre um joelho para poisar na terra. E todos
os dias o espanto novo do sol que nasce outra vez.
2 comentários:
Sábias palavras.
abraço
cvb
Não sei como aqui cheguei... mas sei que gostei! voltarei, com certeza!
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