11.6.10

Encruzilhada



Num pequeno ponto desta Terra, há uma encruzilhada que passa por mim, e me pede todos os dias que decida. Nas placas que anunciam os caminhos, pinturas de guerra das novas tribos, confundem e tapam a clareza que outrora a força dos dias me emprestava.
Sentado num pequeno tronco, cadáver de uma frondosa árvore já esquecida, vejo os caminhantes passando, levam nas mãos tisnadas, a sua própria sina, e em cada rosto a sua própria história.
Cruzam-se as dores e as alegrias, as vaidades e os imortais que tombam, passam por mim barcos e velas que me fazem lembrar o vento que corta e a doçura dos agasalhos que nos consolam, passam por mim bandos de garças brancas e mulheres com palavras e sorrisos e com os traços desenhados, os olhos azuis e as barrigas cheias dos filhos que nos tomam por outros caminhos.
Há quem me olhe e me censure, e me odeie com o ódio de quem não se quer na sua própria pele.
Nas mãos dos amigos que passam devagar, sinto o calor dos dias duros, quando na pressa, têm o tempo para se sentar ou mesmo para apenas me oferecerem um olhar que me olha e me leva com eles. Na encruzilhada, onde o sol queima com mais força, e a sombra do meio dia se perde, os cães passam depressa cheirando e lambendo o chão que outros hão-de pisar.
Há alambiques de cores garridas, e uma mulher gorda e cheia, rebenta de rosas e cravos no alarido dos pregões. Passam padres e frades, e dois corvos que limpam a estrada no sossego entre quem passa.
Há pouco, constante e repetido, passam os pensamentos, que voltam e se falam, perguntam-me onde chegar. Não lhes respondo, porque outros chegam e o som é tão alto, que me remeto ao silêncio, os dedos afundados nos ouvidos, os olhos são como dois riscos de tão fundos que se aninham. Deixo que cada um se perfile e me possa falar. Sou fêmea parideira, ninhadas de pequenos pensamentos são paridos a todo o tempo, belos e novos. Todos passam todos andam à beira desta encruzilhada de tantos caminhos.
Restas tu, tu que passas e voltas, sempre na mesma elegância e beleza, que me fazes levantar e seguir, e os teus olhos, sempre da cor do mar, porque são imensidão e procura, e são o chão onde descanso os olhos, e porque são o céu onde ponho os olhos, são o olhar que me conduz e me enternece, e onde cada palavra tem sentido, porque é de ti que respiro e me alimento, porque é de ti que sou feito em cada poema que imagino.
São assim os tempos das encruzilhadas, sem final de história, sem morais nem definições, são apenas os dias que se cruzam, entre mim e este caminho que um dia hei-de escolher.

1 comentário:

Vanda Paz disse...

Um texto muito sério e muito bem escrito.

Beijo