16.10.07

... Se o arrependimento matasse




Os dias começam sempre da mesma forma - como se o arrependimento matasse.
É hoje à noite que vou deitar-me mais cedo, que vou deixar o raio das coisas que não valem a pena, que me vou concentrar apenas no necessário, e acordar amanhã cheio de vontade de começar cedo. Como se cedo houvesse algo mais importante que fazer, do que de tarde. E depois – quando é que é tarde e quando é que é cedo?
As perguntas bailam à minha volta, enquanto aspiro um iogurte antes de sair de casa. Hum! – Está calor, a malta vai toda de camisa pela rua abaixo, são dez segundos perdidos à janela que valem a pena. Porra, a rua está cheia, vou levar montes de tempo para chegar ao escritório.
A mesma rua, o mesmo edifício, as mesmas cores, os mesmos cheiros, 2ª ou 3ª ou 4ª, ou a porra da vida toda a correr pelas rotinas que afinal, consigo perceber que tanto jeito me dão.
Olho os outros, embasbacado por sentir que o que sinto é meu. Olho os pormenores sem importância e dou importância ao que pormenorizo e deixo entrar na minha vida. Olho as horas, passam infindas ou apressadas, como se eu não estivesse por aqui, o trabalho que se acumula, os papéis e as reuniões, as discussões, as teses mal defendidas, as estratégias, os puxões e empurrões do ódio a mim mesmo por não ter coragem de mandar quem quero dar uma volta ao bilhar grande, p’rá porra de um sítio no quinto dos infernos.
Os dias começam e acabam, como se não houvesse fronteiras entre eles, e a vida fosse um único dia, uma única vida. Ainda é cedo, nunca mais é tarde, nunca mais é noite, onde as vistas se escondem e apenas tu ficas, o teu rosto diante de mim. Amanhã vou acordar mal, é hoje à noite que vou deitar-me mais tarde.

2 comentários:

Vanda Paz disse...

Amigo Jorge

Deixa-me dizer-te que o arrependimento mata mesmo, corrói, envelhece...
Este é um desabafo que todos nós temos muitas vezes... e de todas as vezes esquecemo-nos que temos um amigo para poder partilha-lo...

Beijo grande

Da amiga Vanda

Manuela disse...

Um saltitar de palavras num jogo que se apega à rotina da vida...

Gostei bastante!!

Manuela Fonseca