9.5.06

Encontro com a morte

Havia naquele dia, um murmúrio estranho, que inundava as ruas, quase como a cidade tivesse ficado despida, nua. Não havia troca de olhares, cada um passava célere, envergonhado, enterrando-se pelo pescoço, curvando-se como se o vento vergasse as costas, e o mundo pesasse todo, em cada um.
Eram mil imagens a correr por segundo, mudas, em que cada um fabricava o seu próprio argumento, e cada gesto tinha de ser soletrado e imaginado.
Nas praças, os velhos de olhar perdido, sorriam. Miravam como sempre miram quem passa, e sem nada dizer,deitavam as cartas uns aos outros, no mesmo murmúrio, que ecoava em todos. Havia cheiro a memórias, e os passos descolavam do chão, sem deixar rasto nem som.
Subitamente, um vulto abraçou toda a praça, olhos escondidos, sem formas que pudessem revelar qualquer sinal, e num instante, todos recuaram para a deixar passar. Um braço, fino, cortante, tal qual um sabre estendido, ergueu-se e apontou na minha direção. Qual cachorro dócil e obediente, corri para ela. E à medida que me cheguei, num gesto voluptuoso, enorme, foram caíndo as suas vestes, seus olhos iluminando-se, os seus braços enormes preparando-se para um abraço eterno. A minha hora chegara.
E quando por fim me uni a ela, todos os sons e imagens, dispararam como uma máquina que volta a fazer o que sempre fez.
Os velhos, nada disseram, mas as cartas continuaram a ser deitadas, os sorrisos voltaram aos rostos, e cada passo, e cada gesto, e cada corpo, ecoou na praça, sabendo que lhe era permitido continuar.
Eu de mão dada com ela parti. Boa morte que me levou e deixou o Mundo à espera do seu dia.

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