I
Na serenidade de um passo, viaja a voluptuosa sombra de um abraço imenso. De repente cai sobre mim, a tua forma graciosa, como garça de asas estendidas, pairando, e no desenho de um sorriso, a tua cintura fina poisa na minha mão, e ao levantar-te, num salto a dois, somos a figura incontornável do dia sem fim, que resta das coisas boas e do mar aberto onde a linha do horizonte tem a cor dos duetos felizes.
II
Na penumbra, quando descansas e relaxas no meu peito, quando o sol desceu para descansar e as ruas cinzentas brilham na conversa com a lua, chego-me a ti, e depois segredo no teu ouvido as coisas do dia todo, e deixo no ar, as margaridas que passaram perto das minhas mãos e que não colhi por me lembrar de ti. deixo os segredos do frio das sombras magnificas e como me deixei partir na vontade de te abraçar e abrir tua blusa soletrando todo um poema feito de carne e de ti.
Deixo teus lábios chegarem em múrmurios, dizerem coisas que bailam, são bailarinos em palco, expressam-se, rodopiam, fantasiam e depois num ligeiro passo de magia são o pas-de-deux perfeito que nos alucina e cavalga nas nuvens em que me embriago de ti, do teu toque, do teu cheiro, dos teus olhos que me vergam e me seduzem. tu apenas olhas, nesses olhos de que não me canso, desses teus olhos que me mostram quanto um soldado tem de caminhar e vencer as trincheiras... quanto as lágrimas se saboreiam e sabem bem.
III
Sou o teu soldado, a farda vermelha e dourada tem um laço cor de sol que bordaste com as tuas mãos, e onde deixaste teu toque e o teu perfume. Hoje voltei das batalhas, e chamei-te mesmo debaixo da tua varanda, quis-te como um soldado quer a sua bailarina. Hoje foi dia de passar no mercado e roubar um lírio para te entregar. Ganhei um sorriso solto debaixo das melenas do teu cabelo ruivo. Hoje ganhei o mundo e as batalhas perderam-se no teu regaço, e nos sorrisos dos gaiatos que jogam à bola pelo meio dos carros e dos caixotes. Hoje, vi-te com a tua saia de pregas rodopiando, e destes-me as mãos e olhaste-me como uma ideia feita vida, como um feitiço de encantar. E nesta rua que se chama mundo, fomos longe, ao fundo da rua, e roubei-te um beijo, na esquina onde se vira a outro mundo, na rua da imaginação e do sonho, onde tudo se permite e não há soldados, nem bailarinas, apenas nós e a rua que nos deixa passear, a rua onde podes ter todos os sóis e todas as luas, onde te posso cantar as baladas que invento e te sentas nos no chão para te recitar um ultimo poema. Hoje estou feliz.
IV
A noite passa arrepiada na gola do meu casaco, a brilhantina secou no cabelo, e o livro do Eugénio que trouxe para ti, descansa apalermado no degrau da porta, junto à umbreira onde o meu ombro se colou, ainda os pombos debicavam na calçada negra, saltando contentes.
Olho a cada instante e todos os sons são o gemido da tua janela a abrir lentamente para me deixar entrar. Como soldado, sou sentinela atento, e os joelhos e as pernas permanecem calados, cumprindo seu dever sem queixas nem azedumes. Hoje não apareces, não há sinal de ti, e mesmo assim deixo-me ficar como se a distância tivesse a lonjura de um oceano e nada mais tivesse que a memória como companhia. O teu sorriso aberto, leva-me às gargalhadas que fabricamos na alegria de nos darmos, na plasticidade dos nossos corpos juntos, nos nossos silêncios apáticos em que deixo cair as lágrimas de te olhar, no teu braço que se estende enternecido, teu rosto roçando o braço encostado ao teu ombro, os teus olhos escondidos por detrás do teu cabelo, o teu corpo como uma folha alva, onde quero ser teu poema e escrever-te tal qual te sinto. Lembro-me que sempre dizes – Vem!
O vento acorda-me e sinto teus seios no meu tronco, aquecendo-me. Já não sei se é verdade que estejas aqui. O teu beijo confunde-me e trinca meus lábios. És tu, e estás aqui, onde sempre estarás. Basta que estejas, basta que os teus olhos se abram, azuis, e me digam – vem.
1 comentário:
maravilhoso! ler algo assim numa segunda de manhã, é um privilégio, uym fluir poético repleto de beleza e emoção... obgda... bj amigo, ana margarida
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