25.6.09

A saudade com que te desejo

foto de Lya Pansy


A minha saudade aumenta na proporção da intensidade com que te desejo. Há na interminável ausência de ti, uma impaciência violenta que me deixa perturbado, louco. Percebo a tua pele, no frio que alastra nos meus pulsos, nos meus olhos semi cerrados, insensíveis à luz que me vem dar os bons dias. Os meus livros estão espalhados pela casa, proscritos, indecifráveis das razões que tenho para os acariciar e lhes dar mimos, de lhes retribuir as palavras que me oferecem.
A irracional sede e fome dos humanos perfeitamente normais, não me pertence, prefiro lamber a humidade dos vidros, deixar a minha língua colada para que não perca a inigualável experiência de te ver chegar outra vez, assumo o meu estômago protestativo, implorando migalhas que o sustentem, como as migalhas do teu amor que caem por vezes dentro de mim.
É deste meu estado de ser que me mostro ao mundo, e nas ruas por onde penetro a cada dia, nas implacáveis rotinas que me aniquilam e nos olhos chorosos, emocionados, com que não entendo a dificuldade das mães que não beijam seus filhos ou de um pardal chapinhando sem mais razão que chapinhar; é dessa dificuldade que me livro nos versos deste não-tempo onde sonho com outras cores e outros sons, onde posso cantar sem abrir a boca e amar sem precisar de me justificar. Os homens saem das casa e das mulheres, o barulho das buzinas assola-me as orelhas, e o pão que falta já não é da mesma farinha de ontem. Hoje somos gente travestida de individualidade, de coisas únicas, de pertenças e valores que não são mais que códigos e juízos.
E é por isso que só te quero a ti, que te desejo nas cumplicidades de quem deixou os barcos, todos os barcos atracados e goza no porto de abrigo a sua paz de ficar. É por ti, que sou descrente dos templos onde olhamos todos para o mesmo lado, sem olhar os que nos estão ao lado, que configuro as minhas poucas palavras ao desejo de te sorver na boca todo o desejo que passa na forma como passeias as ancas e me entendes só pelo sentir. É por isso que tudo vem deste imaginário amor que me sustenta, que dá vida aos meus gestos, aos meus códigos, ao refrão de um poema único, sufragado nas ausências, perpetuado na minha vontade repetidamente cruel, de que quando deixares de não ser, já nem eu próprio saber quem eu sou.

2 comentários:

Anónimo disse...

intensamente apaixonada como tb sou, jamais deixarei de ser para que nunca deixes de te ser!

adoro as tuas palavras...metáforas vivas...sofridas...e q me fazem navegar em nostálgico (a)mar.

sempre grata por te ler.

um bjo enorme

Vanda Paz disse...

Um texto muito teu

Passei para te deixar um beijo