18.1.07

A minha vida sentou-se


Foto de Paulo César
A minha vida sentou-se
na soleira do albergue
que me atende.
despediu-se da morte
com o mesmo sorriso
com que escarnou da lama
que hoje lh’é companheira.
Já se foram as compaixões
e os gestos de amor,
e cada leito, não tem sentido
de coito, nem do acto,
apenas esteira
onde descarrega
o que pesa e não faz falta.
A minha vida está sentada
esperando não sei o quê…
olho os dedos
que se estendem dum pedaço
de carne inerte e queimada
dos pedaços de sonhos
que ajeito entre uma mortalha
de papel
de pano roxo
de pinho.
A minha vida sentou-se
porque se desfez no cansaço
de ser diferente e ser louco,
de amar a miragem e o insensato
e só escutar dos lábios
o que traz o sangue do coração.
É sempre carne que fala
dinheiro, vantagens
poder, luxo, perfídia,
demais para quem se obriga a ficar só.
Mas a minha vida sentou-se
talvez para voltar donde saíu,
do pó
do sangue, e um amor
que por estar morto
não sabe dizer mãe,
e d’outros amores que eu teria
ficou-me um pedaço de terra
onde sei pode crescer um sonho,
mesmo sentando-se a vida.
A minha vida sentou-se
olhos cansados,
ficou a morte
a seus pés, brincando de menina.

2 comentários:

Anónimo disse...

Posso brincar com a morte aos seus pés? Enquanto o faço entretanho-a e faço com que se esqueça que você aí está...

Eu choro e grito cada poema seu.

Isa e Luis disse...

Um poema interessante! Tanto que o li três vezes.
Um abraço.
Luis