2.5.06

Um momento


foto de LuisRossa

Fazia tempo que não aparecias. Passava tantas vezes por ali. Às vezes com a vontade surda, as pernas querendo estacar, os olhos passando cada rosto, procurando por dentro dos olhos, a mesma vontade que trazia. Nem vivalma. Todos seguiam o seu caminho, como se dissessem, na sua impavidez - já tenho, não quero.
Depois, partia por onde o corpo quisesse, sem vontade de parar, sem vontade de nada, deixando o tempo correr, ao ritmo de cada cigarro consumido, de cada copo esvaziado. Não te via, em nada, nem nas letras, nem nas músicas. Queria desistir, mas era mais forte que eu a vontade do vento, em fazer da minha vontade - veleiro, onde pouco resta, senão segurar o leme, e descer velas que soltam o desejo.
Julguei estar no porto mais seguro, a que alguma vez tinha atracado. Já estivara a carga, as velas descidas, a âncora funda e calcada, na vergonha de um barco parado, as cordas bem seguras ao cais da minha conformação.
Passaste, com os olhos frescos da manhã, e na tua pele, vinha o canto do desejo, as tuas mãos carentes de viagens, que querias dar, e chamaste-me, como uma sereia chama um marinheiro, que mesmo não querendo, ruma célere à ilha da vontade.
Na tua boca, trazias o beijo que eu queria selar, no teu corpo, a esteira onde me queria deitar, nos teus olhos, o desejo de uma noite para além da madrugada, onde ficassemos nús e mudos, velando pelo fogo trepitando.
Não pediste cetim, nem velas perfumadas, quiseste apenas a rudeza de um desejo imaginado, e eu, contigo, quis apenas guardar-te, como se guarda um momento na memória, sem passado nem futuro. Deixamos as palavras soltas pelos cantos, como as tuas roupas, caídas à medida da ternura que te entreguei, e fomos suor e àgua, e fomos amantes eternos de um momento único, onde rolamos no leito, incendiando os lábios, apagando a sede nos teus seios fartos, magnânimes, nas tuas coxas serenas, macias, no teu cabelo cheirando ao trigo por mondar.
Deixei-te, ainda dormias. Vi-te estendendo as mãos, procurando o que já terminara. Desejei-te uma vez mais, mas segui, como quem segue o seu destino, ao leme de um veleiro, apenas desejando vento, para aportar a outro cais.
Fica, meu bom desejo, fica. Procura-me nos teus sonhos, e fica, fica... O vento um dia pode mudar, quem sabe, e ao longe, na entrada da baía, estarei sempre eu, querendo que tu esperes, querendo que não queiras, mais que um momento, apenas para guardar.

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