Não me deixes assim,
as tuas palavras desamparam-me, tornam estranhas as minhas, não se misturam,
como gente cruzando as avenidas em noites de verão.
O dia nem está nublado, as andorinhas fazem loopings
arriscados, assustadores por todos os lugares, e o vento tem um ritmo que só as
árvores e o teu cabelo traduzem.
Não me deixes, como se nada tivesse havido, como se o
prenúncio dos beijos fosse imaterial, como se mesmo o beijo que não houve, já
não tivesse nascido e ficasse guardado na indelével vontade dos desejos mudos.
Hoje, que as marés se reservam para mais tarde, na areia que
é chão de mar mais logo, o meu caminhar é órfão da tua mão, dos sorrisos e das
voltas sobre nós mesmos em abraços divertidos, do teu ombro que me toca, dos nossos olhos em paralelo lendo o mesmo
infinito dum mar onde nunca entrámos juntos.
É por isso que invento e crio este amor de todos os dias,
que desencanto as palavras sem querer saber se erradas ou certas, gordas ou
magras, negras como as noites deste inverno gelado nas pontas dos dedos ou
alvas como as madrugadas onde acordo para pensar em ti.
Não me deixes com as minhas palavras que sempre me
acompanham, as gaivotas gritam como se soubessem de algo, e areia escreve
coisas que o mar leva sem resposta.
Não me deixes com estas palavras que me desafiam, me batem
às vezes, me transtornam quando me levam perto dos copos de tinto maduro, onde
contigo um sorriso bastava para saciar os meus lábios.
Não me deixares, é deixar que te apanhe na porta da mesma
estação onde chegas todos os dias, é essa boca rasgada de felicidade quando me
chamas louco e aceitas as flores roubadas aos canteiros. Não me deixares são os
meus ouvidos cheios das tuas gargalhadas e os teus vestidos de alças, de roda
dançando com os teus cabelos lisos plenos de chuva no meio dos miradouros mais
altos de Lisboa, quando tu brilhas mais que a cidade.
Não me deixares, é o poema que te entrego de manhã,
quando adormeces plena e segura e eu sou apenas o teu homem que te fez feliz.
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