onde chego hoje
que as portas estão fechadas?
que mais vou encontrar para além de todas as praias
onde a areia sempre se escapa das mãos
e se agarra aos calcanhares?
que mais posso levar do espelho
que as rugas de todos os dias
fundas
mergulhadas nas histórias
que me esqueci de contar ou viver?
há uma árvore velha
faz o tempo antes de nascer
com ramos novos e um tronco oco
na beira de todos os meus caminhos
e um muro negro
cheio do musgo que a chuva encharca
em cada dia de inverno
onde me encosto e entendo
já não sei saltar
e estes braços com a força de todos os sempres
e as dores dos pequenos nuncas que tanto doem
sem mãe
sem lábios doces
sem abraços quentes amplexos
chego-me e não quero entrar
sou o miúdo de sempre na vergonha
de encarar os dias
do medo das noites escuras
da cabeça cheio das palavras que arrebanho
e empino
sem deixar cair
hoje que os sessenta assomam
e a minha biografia se encolhe
sou o dia seguinte
o sempre em frente
o está tudo bem
sempre bem-disposto
e os olhos em círculo nervosos para te procurar
que o amor ainda volta nos sorrisos
das mãos frágeis
e dos olhos saltitantes
onde me chego hoje
que é véspera do dia a seguir.